Contrato milionário

Num mundo onde o controle dos atos administrativos da gestão publica ainda é precário, é impressionante os caminhos que os dirigentes encontram para celebrar contratos de valores absurdos, sem licitação. Um desses caminhos é a inexigibilidade de licitação. Sob o argumento de que o escritório escolhido  tem expertise em determinado tipo de serviço, o gestor público contrata de forma direta o escritório, porém sendo obvio que mais empresas do ramo detêm expertise no assunto, a inexigibilidade de licitação fica  sujeita a outras condicionantes, como deixou claro o STF: 

"São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde de que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado".

Recentemente ( em novembro de 2021), o Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Pará (IGEPREV) contratou sem licitação o escritório Barcelos, Esteves & Jeronimo Advogados Associados para "prestação de serviços de realização de levantamento e estudo de direito previdenciário, da legislação dos servidores públicos do Estado do Pará, levantamento de haveres, correções devidas e deduções de parcelas incorretas, se houverem, nos cálculos apresentados pelo Sindicato dos Servidores Públicos Estaduais no Município de Belém, constantes no Processo nº 0004756-71.2007.814.0301, referente as diferenças retroativas da atualização dos benefícios de pensões."

O valor deste contrato é de R$ 6.000,00 (seis mil reais) por beneficiário.

Trata-se de uma ação ordinária de cobrança distribuída em março de 2007 em nome dos servidores do Estado para reconhecimento e garantia de parcelas que entendiam lhe ser de direito, cujo processo já sofreu decisão judicial condenatória, a qual transitou em julgado em setembro de 2015, estando o processo em fase de cumprimento de sentença, sendo a ação no valor de R$ 1.123.160.391,61 (um bilhão cento e vinte e três milhões cento e sessenta mil trezentos e noventa e um reais e sessenta e um centavos), estimado como valor devido no processo transitado em julgado nº 0004756- 71.2007.814.0301, que tramita na Justiça Estadual do Pará. 

Sendo uma ação movida pelo Sindicato em nome dos servidores Estaduais no município de Belém, o número de beneficiários é imenso. Ao custo de R$ 6.000,00 por beneficiário imaginem o valor desse contrato.

Basta dizer que a inexigibilidade foi publicada em 10/11/2021 e o extrato do contrato em 01/12/2021 e já em 12/11/2021 o referido escritório recebeu o montante de R$ 11.988.000,00. Posteriormente, em 26/01/2022 recebeu R$ 3.996.000,00. Ou seja, em apenas dois meses o escritório recebeu o montante de aproximadamente R$ 16.000.000,00. Enquanto isso, os pleiteantes da correção junto ao IGEPREV aguardam há mais de 15 anos o recebimento dos valores devidos.

Fica no ar a pergunta: Por que esse escritório, afinal outros fazem o mesmo tipo de serviço? O que o diferencia dos outros?

Destaca-se que o IGEPREV mantém, desde 2021, um contrato com a empresa Agenda Assessoria, ( em 2021 recebeu do IGEPREV o total de R$ 11.510.000,00), que tem entre seus sócios os advogados do Escritório anteriormente mencionado.

Esse contrato necessita urgentemente de uma avaliação não só quanto a legitimidade da contratação direta, como também quanto ao valor e, especialmente quanto ao objeto do contrato, tendo em vista que se o processo está transitado em julgado em fase de cumprimento de sentença, em tese não haveria mais oportunidade para interpor qualquer recurso quanto ao objeto. Se ainda houver condições de contestar os valores, esse é um trabalho de perícia contábil e, pelo que se pode ver, o escritório contratado é da área jurídica e não contábil.


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